terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Empatia!

A semana passada foi meio parada em termos de procedimentos mas eu tive duas experiências muito distintas com pacientes na UTI.

Primeiro vamos ao Sr. Brasileiro paciente do leito 12.
Depois de ter sido admitido na UTI por:
1) Complicação da cirurgia de retirada de um câncer de sigmóide (no intestino)
2) Abcesso hepático (sim, quer dizer pus no fígado!)
3) Ter tomado todo tipo de antibiótico, inclusive 2 ciclos de polimixina (antibiótico usado em últimos casos)
4) Ter tido uma lesão iatrogênica (provocada) na uretra na colocação da sonda vesical (aquele negócio que colocam na gente pra urina sair direto pra um saquinho)
5) Ter feito uma cistostomia (um orifício é feito na barriga na altura da bexiga para que a urina seja drenada por ali)
6) Ter tido dois pneumotórax (ar no tórax fora dos pulmões, o que os comprime) também iatrogênicos por punção de acesso central de subclávia bilateralmente e ter tido os dois hemitórax drenados por isso
7)  Foi intubado e depois traqueostomizado passando muito tempo em ventilação mecânica
8) Por último uma cultura de bactérias retiradas dele deu um Enterococo vancomicina resistente (ou seja, uma bactéria que até os antb. mais fortes não matam) deixando o "póbi" em isolamento de contato.
Ufa! Esse pobre coitado deixou muitas vezes, durante os seus noventa e poucos dias de internamento na UTI, médicos, fisioterapeutas e auxiliares sem esperanças de um dia vê-lo sair dali vivo. Durante as duas semanas que acompanhei sua evolução vi esse homem arrancar várias sondas nasogástricas (aquelas que são usadas pra alimentar), sair da ventilação mecânica e ficar só com o traqueóstomo, até ficar completamente livre de artifícios para respirar. 
Como eu já disse, ele tinha que ficar em isolamento de contato, ou seja, todas as pessoas que fossem ter contato com ele tinham que estar usando batas, luvas, gorros e máscaras, descartando tudo isso após o uso para não contaminar mais nenhum outro paciente, portanto não poderia voltar para enfermaria normal, somente para uma específica.
Fala dali, conversa de lá, chora um pouquinho dacolá e finalmente consegui que ele saísse da UTI! Leito de isolamento na enfermaria para não disseminar a bactéria e tive o prazer de ser a interna que conseguiu fazer com que ele saísse de lá! Poder desejar tudo de bom pra ele e ter o prazer de ouví-lo responder (porque com traqueostomia não se pode falar) foi um grande prazer, pode ter certeza!

O segundo paciente foi o Sr. Luís. Está na UTI já há quase um mês no leito 11 por: 
1)Insuficiência hepática aguda (já resolvida)
2)Hepatopatia de origem alcoólica (doença no fígado ocasionado por uma "vida de bebedeira")
3)Insuficiência respiratória
4)Insuficiência cardíaca (FE=24%) - miocardiopatia dilatada secundária ao problema hepático (quer dizer que ele tem o que se chama de coração crescido)
Esse paciente estava na UTI pelo seu problema hepático e por algum motivo, ninguém havia atentado para o seu problema cardíaco, não sei se descaso de quem o admitiu na UTI que não o avaliou direito, ou se o esquema de plantões de 6h que não deixa que você tenha muito tempo de avaliar o paciente vendo o indivíduo 1x na semana. O que interessa é que só após vários dias internado na UTI foi que a residente que lá estava achou estranho que ele ficava muito cansado sempre e com uma dispnéia constante (frequência elevada e desconforto respiratório). Verificando o prontuário dele ela encontrou exames que relatavam sua doença. Começou a tratá-lo para a IC (insuficiência cardíca) com uma droga que chama dobutamina que faz com que o coração tenha mais força para bombear o sangue. Ele ficou estável, mas a retirada da droga ficou muito difícil, pois ao retirarmos ele piorava muito.
A residente foi embora pra SP e o médico a respeito do qual eu falei no primeiro post, que tinham me feito medo, na sexta orientou-me a fazer o desmame da dobuta mais lentamente ainda começando na segunda. Passei o fds todo sonhando com esse desmame acredita?
Qual não foi a minha surpresa que quando entrei na UTI na segunda de manhã me deu um aperto no peito de ver que o seu Luís estava entubado. Na madrugada de domingo pra segunda ele fez uma FA (fibrilação atrial) de alto débito (uma arritmia cardíaca) com frequência de 200 batimentos por minuto não conseguindo manter o padrão respiratório. Foi necessária a intubação para garantir a vida dele.
Hoje ele está ainda intubado, com duas drogas vasoativas, a dobuta e a noradrenalina (pra ajudar na pressão), na ventilação mecânica, com um provável choque cardiogênico.
Como é estranho você começar a conviver com aquele paciente, falar com ele todos os dias, criar aquela empatia por ele e de repente chegar e ele estar tão ruim que você tem certeza que ele não vai sair vivo dali.

Semana de sair de uma grande alegria de ver um paciente melhorar ao ponto de sair bem de lá ao outro extremo, ver um outro pct que estava bem e falando, estar dependente dos aparelhos praticamente sem perspectiva de sair de lá vivo.
Sentimentos muito distintos que infelizmente vão coexistir sempre e todos os dias na vida de quem escolheu esse sacerdócio, como diz minha mãe, como meio de vida. 
A medicina não pode ser encarada como um trabalho, tem que ser um compromisso com o outro, caridade com quem precisa, porque se não for assim, a humanidade que é necessária para exercer essa profissão se perde e aí temos os médicos irresponsáveis, frios e sem coração que tanto vemos por aí. 
Ser médico é deixar de olhar só pra si e voltar-se para o que necessita. É entregar sua vida e seu conhecimento a quem precisa.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Juramento do Hipócrates

Refletindo sobre isso, ai vai o juramento de Hipócrates:

"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.
Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.
Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."


...

Desfecho da paciente...

Bom,
Hoje ao chegar no hospital tive a triste notícia de que a paciente a qual eu entubei e fiz o acesso central na sexta veio à óbito naquele mesmo dia às 20:55h em decorrência de uma parada cárdio-respiratória.
Seu estado de acidose metabólica, o qual eu citei anteriormente, não permitiu nem que a hemodiálise fosse iniciada, pois a paciente ficou extremamente bradicárdica(frenquencia cardíaca muito baixa) e hipotensa(pressão arterial abaixo dos níveis normais).
Mesmo tendo sido administrado fluidos e drogas vasoativas(que aumentam a pressão) a paciente ficou refratária ao tratamento de ressucitação volêmica não respondendo e vindo a falecer.Tal quadro levou à hipótese de Sepse grave refratária a volume e a drogas vasoativas caracterizando um choque séptico.


Fiquei me questionando o quanto mais podia ter sido feito por essa mulher de 35 anos que acabara de ter um filho. O quanto a demora de minutos de indicar a hemodiálise e a espera desta chegar ao hospital a prejudicou.
Sei que a minha intubação e o acesso não a prejudicaram pois o Rx comprovava isso, mas sempre fica a dúvida se não podíamos ter feito mais e melhor.


"Work it harder, make it better, do it faster, makes us stronger, more than ever, our after, our Work is never over!" - Harder,better,faster,stronger - Daft Punk






P.S.:uma coisa boa aconteceu hoje: intubei uma paciente hoje de novo de primeira! Adoro procedimentos!

sábado, 15 de janeiro de 2011

A primeira intubação e o primeiro acesso central ninguém esquece!!!

Primeira postagem aqui. Espero que quem quiser ler e acompanhar minha caminhada nesses 2 anos que me restam na faculdade como interna goste.
Quero ter um registro futuro de como foi essa época da minha vida!
Não sei de quanto em quanto tempo vou ficar postando por causa do tempo, mas sempre que der o farei!

Bem,já se passaram 2 semanas que estou na UTI do HGCC e até aqui tem sido muito legal, mas muito parado. De procedimento mesmo só umas gasometrias arteriais e venosas mistas, uma extubação e a troca de um traqueóstomo. Nessa sexta tudo mudou e fez valer esse tempo de calmaria por lá!

Ontem(14/01/11) na UTI foi muito bom!!!
Tava me sentindo um poquemon digivoluindo!!!!kkkkkkkkkkkk
Ao contrário do que me falaram de um certo médico de lá, ele foi maravilhoso!!
Ensinou pencas e me mandou fazer tudo o que era procedimento!!
Primeira intubação e em seguida primeiro acesso central!!!
Saí de lá 19:30h parecendo pinto no lixo de tão feliz!!!heuheueheuh

Bom,aqui vai o que aconteceu:
13h sobe pra UTI uma puérpera de 35 anos da sua 4a gestação,com dispnéia intensa(FR=54), meio torporosa e com leucócitos=26.600(1%meta e 9% bastões). Ainda consciente, relatou sentir dispnéia há 3 dias e uma suposta dor no peito.Pulsos periféricos inpalpáveis e um sopro sistólico audível em foco mitral (3+/6+).
Ao referir “sono” o médico decidiu intubar pelo rebaixamento do sensório para garantir via aérea. Fiz o procedimento(hehe). Por conta do midazolam dado à paciente a PA foi para 34/23.
Foi iniciada dobuta e nora que ainda demoram alguns longos 5 minutos com aumentos de doses para conseguirem subir a PA dela.
Feito isso o residente da cirurgia foi chamado para fazer o acesso central, o qual fui euzinha que fiz(hehe de novo)!!
Rx feito e tanto o tubo quanto o acesso no local correto e uma área cardíaca acima do normal fiz uma gasometria arterial para verificar o estrago que a hipóxia por conta da baixa PA havia causado. PH=7,1 HCO3=9,1 e Lact=8,9. Foi medida uma PVC de 33. Dar líquido para reverter a acidose ou não dar por conta da ICC foi o dilema.
Depois de conversar com o médico e ele me ensinar horrores sobre dosagens de drogas e ICC falamos a respeito dessa acidose.
Tive que sair meio que correndo pra não ficar com o carro preso no estacionamento, mas o que ficou certo era que provavelmente a pct iria dialisar para reverter o quadro metabólico.

Segunda eu conto como ela ficou!!!heuehueheuhe

Bjs e bom fds!


P.S.: Pros meus amigos que não são da área da saúde aqui vai um breve glossário do que se passou no post acima tá?



  • Puérpera - mulher que teve nenêm recentemente
  • Dispnéia - falta de ar, desconforto para respirar
  • Sopro sistólico - sopro que se pode escutar quando o coração contrai
  • Rebaixamento de sensório - quando a pessoa vai diminuindo seu estado vigília para o desacordado
  • Intubar - colocar um tubo na laringe para ajudar o doente a respirar
  • Dobutamina e Noradrenalina - são medicações utilzadas para aumentar a força e a frequência das batidas do coração
  • Acesso central - ao invés de fazermos o conhecido acesso na veia do braço do paciente temos que fazer um acesso em um vaso mais calibroso do corpo, a veia subclávia por exemplo para que certas medicações sejam administradas
  • Gasometria arterial - retira-se sangue da artéria e não da veia para que sejam verificados os níveis de oxigênio, CO2 e outros indicadores de acidose metabólica(sangue fica com pH baixo) ou alcalose metabolica(sangue fica com pH básico)
  • PVC - pressão venosa central é medida pelo acesso central e é mais fidedigna para que várias condutas sejam adotadas
  • ICC - Insuficiência cardíaca congestiva é uma doença em que o coração não consegue bombear o sangue de maneira satisfatória para o corpo prejudicando os outros órgãos



Espero que tenha melhorado o entendimento de vocês!